Anísio Teixeira |
"Anísio Teixeira: Vida, Obras e Movimento"Francisco
Gilson Rebouças Pôrto Júnior
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Introdução Falar sobre um educador de tamanha importância não é, deveras, uma tarefa simples, mas por demais complicada. Nesta breve tentativa de resgatar uma parte da história educacional brasileira, tentarei traçar a visão deste educador que teve sempre em destaque a importância da gratuidade do ensino e de uma educação para todos, indo assim ao encontro dos ideais da Escola Nova. Se traçarmos um breve histórico da vida deste educador, desde o seu nascimento na Bahia (em Caetité), em 12 de julho de 1900 até a sua impetuosa visão educacional e atuação firme, muito poderíamos dizer de Anísio Teixeira. Advogado de formação, segundo Hermes Lima em seu livro Anísio Teixeira Estadista da Educação, Anísio sempre esteve apegado a uma visão de educação:
Podemos imputar a Anísio Teixeira uma grande importância no cenário educacional brasileiro: ao iniciar seus estudos pós-graduados nos Estados Unidos entra em contato com a corrente pragmatista que se desenvolvia em vários países. Os últimos anos do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX são ricos nas visões educacionais: Dewey com seus escritos sobre Escola e Sociedade, Escola e a Criança, Democracia e educação; a criação da “Verein Für Kinderspsychologie” em Berlim (Associação para a psicologia da criança); William James com suas Palestras pedagógicas; Freud com sua Ciência dos Sonhos e Dora; Ellen Key com A Criança do Século; Kropotkin com Campos, fábricas e oficinas; a fundação da primeira Escola Moderna por Francisco Ferrer; Lay com a Didática experimental; fundação da “Maison des enfants” em Roma por Maria Montessori; fundação École de l’Hermitage por Decroly em Bruxelas e da “Landerziehungsheim” de Holf-Oberkurch por Tobler na Suíça; fundação da escola Ferrer em Lausanne; Meumann com suas Lições para a introdução a Pedagogia experimental (1911-1915); Otto com a escola do futuro na Alemanha; Claparéde e Bovet com Maison des Petits na Suíça; A escola ativa de Ferriére e o início da experiência de Freinet em Bar-sur-Loup, para apenas citarmos a riqueza deste período. E é influenciado por estas visões emergentes que Anísio Teixeira vê a necessidade de uma teoria educacional indissociável de um saber prático. Anísio passa a assumir uma posição filosófica firmada no exemplo de John Dewey. Dewey foi um progressista social. Concebia a educação como um processo de recriação ou reconstrução do educando por meio da experimentação. Propunha a educação em e para o educando, sendo Anísio um dos precursores desta visão no meio educacional brasileiro. Anísio passa a ter a visão de que o ambiente social é fundamental na escola e que, como a família já não educava como no passado, a instituição 'escola' deveria ter tal posição, diagnosticando e aplicando os meios curativos necessários. Anísio também era político, apesar de não militar em partidos. Era extremamente atento as dificuldades por que passavam o país. Em seus escritos é expressivo um humanismo democrático e um humanismo socialista, que coincidem e dão as mãos em diversos de seus pensamentos políticos. Podemos verificar isso por ocasião do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), em que o ideário da democratização de oportunidades, mediante a expansão da educação na rede pública e gratuita para as classes menos favorecidas, o que rendeu a Anísio o título de 'comunista', apesar de não o ser. Segundo Vanilda Paiva, Anísio:
Em seu livro Educação não é privilégio, Anísio concebia a:
Anísio
não foi apenas um educador teórico, mas como
administrador ocupou os cargos de Inspetor-Geral do Ensino da Secretaria
do Interior, Justiça e Instrução Pública na Bahia (1924-1929); de
Diretor Geral de Instrução Pública na cidade do Rio de Janeiro (1931);
Secretário da Educação e Saúde em Salvador (1945-1950); Secretário de
Educação e Saúde da Bahia (1947-1950);
diretor do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
e da Campanha
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (1951
e 1964);
e investiu
ainda na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE)
em 1955, na Universidade de Brasília -
UnB (1960), tornando-se membro do Conselho Federal de Educação em 1962
e, posteriormente Reitor da UnB (1964).
Anísio tinha como meta a reconstrução dos ideais de uma escola pública
e gratuita nos diversos níveis. |
Anísio e seu pensamento Anísio era um sonhador: pensava em educação como um processo capaz de restaurar e quebrar as diferenças tão impregnadas na sociedade de seu tempo e, envolvido no pragmatismo deweyano, achava que a escola poderia ser este instrumento de quebra. Idealizava a educação e a escola em pelo menos cinco aspectos: a) A educação é um direito Anísio considerava a educação como um bem que não poderia ser negado, fazendo parte da formação do ser humano, de fato, um direito. Formula uma teoria democrática de educação comum, que seria pública e, em seu livro Educação é um direito, apresenta um plano para a estruturação e o financiamento dos sistemas estaduais de ensino, fundamentando-os em sua experiência quando Secretário de Educação e Saúde da Bahia. b) A educação não é um privilégio Para Anísio, a educação era dever e baseada numa consciência fundante:
c) A educação de base deve ser geral e humanistaPara Anísio a educação envolvia a participação da sociedade e dos movimentos que nela ocorrem, daí a necessidade de ser geral. Em seu livro Educação no Brasil (1969), Anísio afirmava:
d) A escola pública é a máquina que prepara a democracia Referindo-se a escola pública, Anísio aponta-a como mecanismo necessário, porém reconhece os problemas existentes na máquina 'ideal' em vista do 'real':
e) O professor tem de ser capacitado democraticamente Anísio encarava a formação do docente e sua constante (re)capacitação como algo vital. Em reportagem afirmou:
Estes eram alguns dos muitos ideais que tanto fizeram de Anísio um educador admirado e odiado por seus opositores, entre estes os defensores da escola particular e da educação religiosa. Anísio passa a ser um dos líderes intelectuais no movimento de luta em defesa da escola pública e laica e, com o início dos trabalhos para a elaboração da LDB, transforma-se no principal opositor de Dom Hélder e Carlos Lacerda, representantes da esfera católica privatista, que queriam entregar os recursos públicos às escolas privadas. Durante este período, Anísio Teixeira provocou, por sua atitude de defesa da escola pública, gratuita, universal e laica, uma campanha de oposição. VILLALOBOS (1969:84) retrata estes momentos entre a disputa ferrenha do laicismo contra a religiosidade, do público contra o particular, do renovador contra o conservador:
Acusado de socialista – “representante, entre nós, do socialismo militante” – o que na época significava incluí-lo entre aqueles que não eram bem vistos e, que de certa forma eram considerados pela sociedade brasileira – pelo menos no imaginário da época – uma ameaça aos padrões de moral, decência e bons costumes. Mas Anísio não se deixava abater pelas constantes injúrias e conflitos. Continuava a pregar a necessidade de uma escola única, pública. Anísio Teixeira foi o representante de um movimento por meio da qual as lideranças políticas executivas procuraram estabelecer a ponte entre ciência e política. Segundo a professora Libânia Xavier em seu artigo intitulado “Reformar a escola, modernizar a cultura: Anísio Teixeira e a Educação Republicana”,
E nisto Anísio destaca-se, pois à frente da CAPES, deixou claro as deficiências verificadas nos diferentes níveis de ensino (primário, secundário geral e profissional, e superior), fazendo comparações com outros países, notadamente com os Estados Unidos, o que gerou afirmações de que era americanófilo. A importância de Anísio Teixeira na CAPES, foi bem retratada por CÓRDOVA (2000:32):
Mas o pensamento de Anísio Teixeira não permaneceu apenas na escola pública, foi mais à frente do seu tempo e incluiu também a Universidade. Neste campo havia concebido e gerado a Universidade do Distrito Federal (UDF) em 1935, que reunia os educadores mais brilhantes do Brasil, tais como: Afrânio Peixoto, Gilberto Freyre, Hermes Lima, Roquette Pinto e, que fora fechada durante o Estado Novo. Durante todo o período do governo de Getúlio Vargas como ditador, Anísio foi afastado da vida pública. Permaneceu assim até o final do período do Estado Novo(1937-1945), sendo que suas atividades permaneceram no campo da tradução de livros e correspondência com amigos e educadores. Volta ao cenário educacional brasileiro em 1947, quando foi convidado pelo governador da Bahia, Otávio Mangabeira, para o cargo de Secretário de Educação e Saúde. Durante o período de 1947-1950, organizou os conselhos municipais de educação e fundou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, conhecido como Escola-Parque. Nela, procurava oferecer à criança uma educação ativa e integral, da alimentação até a preparação para o trabalho e a cidadania (bem próximo do contexto de Dewey/Kilpatrick). Este modelo inovador de escola foi considerado parâmetro internacional e divulgado pela Unesco em outros países. Porém um grande sonho não seria esquecido e, retorna ao pensamento da educação superior: junta-se a Darcy Ribeiro e a outros intelectuais brasileiros e, no governo de Juscelino Kubitschek, criam uma Universidade modelo. RIBEIRO relembra este período:
A UnB: modelo de vanguarda educacional Desde a sua criação pela lei 3.998, de 15 de dezembro de 1961, a Universidade de Brasília tinha uma missão social muito forte, baseada nos princípios de gratuidade e igualdade. Estava na frente das expectativas educacionais e destacava-se como um modelo para as demais. Segundo CUNHA e GÓES:
Nas palavras do então Presidente da República, João Goulart, a UnB:
A Universidade de Brasília foi pensada
Isto estava bem dentro dos princípios tão proclamados por Anísio Teixeira e outros na visão de “liberdade”. Em seu livro A Educação e a Crise Brasileira(1956), Anísio defende a Universidade e a liberdade que esta deve ter. Ao recapitular a tradição de liberdade e razão da Grécia em seu período clássico , Anísio proclama:
Em vista deste apego aos princípios escolanovistas, não se poderia escolher administradores melhores do que os próprios idealizadores e, assim se dá: o Reitor escolhido para a Universidade de Brasília, foi o professor Darcy Ribeiro que assume em 5 de Janeiro de 1962, contando com um quadro capacitado e com uma extrema visão do papel que a Universidade de Brasília deveria ter. Entre estes estavam: Anísio Teixeira(Conselho Federal de Educação), Hermes Lima(Conselho Federal de Educação), Abgar Renault(Conselho Federal de Educação), Oswaldo Trigueiro(Ministro do STE), Frei Mateus Rocha(Provincial da Ordem Dominiciana no Brasil), Alcides da Rocha Miranda(Presidente da Fundação Cultural de Brasília) e João Moojen de Oliveira(Secretário de Agricultura do DF), que passaram a compor o Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília(FUB). O professor Darcy Ribeiro afasta-se em 19 de setembro de 1962, assumindo Frei Mateus Rocha até 24 de Janeiro de 1963, quando o professor Darcy retorna ao cargo, que deixaria novamente em 19 de junho de 1963. Nestes períodos Darcy assumiu o cargo de Ministro da Educação, e depois, de Chefe da Casa Civil da Presidência. Anísio Teixeira assume a Presidência do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, sendo o 4º reitor da UnB, cargo que ocuparia até 13 de abril de 1964, quando todos os membros do Conselho Diretor são exonerados pelo governo provisório dos golpistas militares. Para Vice-Reitor é indicado o professor Edgar Albuquerque Graeff. Posteriormente assume este cargo o professor Dr. Almir Godofredo de Almeida e Castro que anteriormente tinha trabalhando no INEP. Anísio, a UnB e o Golpe Militar Ao assumir o cargo, Anísio deixa claro o seu papel e suas pretensões à frente da UnB:
À frente da UnB, não deixou que 'a mentalidade reinante' deixasse esfriar seu ânimo e vigor em busca de uma educação mais igualitária, gratuita e laica. Passou a por em prática a proclamação que fizera em janeiro de 1963, quando apontava aquele ano como o 'Ano da Educação':
E assim também foi sonhada a UnB: como cultivadora de talentos, inovadora em seus aspectos acadêmicos e pedagógicos, moderna em suas concepções e, acima de tudo, composta por educadores que incentivavam um espírito crítico, aliás marca deste período. Mesmo com vistas a promissores dias para a educação, as transformações econômicas, sociais e políticas instáveis levaram a uma mudança drástica. Na visão de Roberto Campos, o Golpe Militar de 1964 foi resultado de
Por que tornaram-se tão difíceis aqueles dias? Esta é uma questão que muitos historiadores fazem-se. Para muitos seriam piores do que a Ditadura do Estado Novo. Na concepção de Buffa e Nosella:
Fica evidente a posição de seus idealizadores, incluindo Anísio Teixeira que não se dobraria aos ditames militares. Nas palavras de RIBEIRO:
Em 9 de Abril de 1964 o Comando Supremo da Revolução baixa o Ato Institucional nº 1, que concentra poderes no governo(exclusivo poder de decretar estado de sítio e de apresentar emendas), impõe punições a civis(suspensão de poderes políticos por dez anos e cassar mandatos de parlamentares, bem como suspendendo por seis meses as garantias constitucionais de estabilidade dos servidores públicos) e militares que considere subversivos. De posse deste ‘ato jurídico legal’ invadem, com suas forças militares as instalações da Universidade de Brasília no mesmo dia. Nenhuma pessoa pôde entrar ou sair das dependências da Universidade, sendo professores presos. Nas recordações do professor Darcy Ribeiro claro sofrimento por que passaram estes professores e funcionários:
Em 13 de abril de 1964 Anísio, bem como todos os membros do Conselho Diretor, são exonerados e é nomeado para o cargo o reitor pró-tempore Zeferino Vaz. Segundo a ata da 22ª Reunião do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, na qual foi eleito o Presidente do Conselho Diretor e Reitor da UnB, em 04.06.1964, por ordem do Ministro da Educação e Cultura o senhor Ministro Doutor Flávio Suplicy de Lacerda, fica evidente a tentativa de validar o ato golpista que afastava Anísio Teixeira e o Conselho Diretor legítimo:
Algumas Considerações No curto período em que Anísio Teixeira comandou efetivamente a Universidade de Brasília(UnB), podemos ver estampado o sonho de uma universidade que poderia dar educação, de fato, a todas às classes, independente de seu 'status' social. Manteve-se numa linha de atuação progressista, mas sem nunca perder de vista os ideais que tanto fizeram de sua vida uma ligação permanente com a educação: os ideais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Estava atento às modificações por que passavam a sociedade de seu tempo e, queria uma universidade que também estivesse. Quer à frente do INEP, quer no Conselho Federal de Educação, bem como na Universidade de Brasília, Anísio não era domesticável, mas atuante. Sonhou e concretizou uma universidade sólida e representante de valores sociais ligados à gratuidade e ao laicismo na educação. Quando a universidade viu-se submetida, não submeteu-se, o que lhe constou sua estabilidade e posição. Quando a universidade foi silenciada, não calou-se, mas continuou a ‘gritar’ sua posição e princípios por meio de seus escritos. Quando os militares, que se consideravam os donos do poder (e naquele momento estavam realmente sendo) conceberam uma universidade servil, podemos imaginar a rejeição de todos àqueles que tinham os mesmos ideais de Anísio e Darcy: estes tinham gerado uma idéia e, esta idéia era agora uma realidade – a UnB não aceitaria ser castrada.
Esta visão, transmitida como de ‘pai para filho’ – de Anísio Teixeira e outros para professores e alunos da UnB – ficou evidente quando da destituição de 15 professores, em 1965, que segundo RIBEIRO(1995) ficou conhecido como “o episódio histórico: é o dia da diáspora ...dia em que 210 professores deixaram a Universidade de Brasília, a cidade, e a maioria deles o País”. (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.148). Anísio foi silenciado em 11 de março de 1971, mas seus escritos continuam a “falar” a todos os que mantem o sonho de uma escola pública e gratuita. Político com certeza, filósofo da educação sem dúvida, visionário talvez, mas brilhante e equilibrado seriam os mais apropriados dos muitos adjetivos que poderiam ser atribuídos a este educador, mas o que mais representa Anísio Teixeira seria o de sonhador. Nas palavras de Delgado de Carvalho:
Bibliografia
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© José Luis Gómez-Martínez Nota: Esta versión electrónica se provee únicamente con fines educativos. Cualquier reproducción destinada a otros fines, deberá obtener los permisos que en cada caso correspondan. |